Entre maio de 2004, quando a consignação dos empréstimos para
aposentados e pensionistas foi regulamentada, e outubro de 2013, os
paraibanos que recebem pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
já tomaram R$ 3,345 bilhões em empréstimos consignados, segundo dados do
órgão. No período, foram fechados 1,667 milhão de contratos para
desconto diretamente na folha de pagamento. Apenas no mês de março deste
ano, último período com os dados consolidados, 21,5 mil novos
empréstimos nessa modalidade foram efetuados, totalizando R$ 58,2
milhões.
O perfil dos idosos mudou: hoje eles permanecem como arrimo de
família e são um forte grupo consumidor e público-alvo de persuasivas
campanhas publicitárias. Não é difícil encontrar um panfleto, placa,
outdoor ou até unidades móveis oferecendo empréstimos consignados para
idosos com taxas atrativas e facilidades na concessão do crédito. O
problema é que esse novo perfil de consumo descarrilou para o
superendividamento, e o motivo em boa parte se deve à nebulosidade dos
contratos e falta de informações fornecidas pelas instituições.
Segundo dados da Serasa Experian, 25,96% dos inadimplentes são idosos
com mais de 65 anos de idade. Desse total de dívidas, 71% são
referentes a consignados. Em volume de empréstimos, os aposentados só
perdem para os servidores públicos, que também têm acesso a linhas de
crédito com desconto na folha de pagamento. Só a Caixa Econômica Federal
deve emprestar R$ 30 milhões em consignados até o final do ano para 3,7
milhões de clientes: 62% são servidores públicos, 30% são aposentados
pelo INSS, e apenas 8% trabalham na iniciativa privada.
“Os bancos têm um interesse enorme em oferecer empréstimos
consignados para aposentados e pensionistas”, aponta a advogada e mestre
em Ciências Jurídicas Elisabete Porto. “Para eles, esse produto é muito
vantajoso, pois a cobrança das parcelas é automática e de
responsabilidade da empregadora, do sindicato, ou do órgão da
administração pública intermediadora do negócio, e o recebimento é
certo”, relata. Por regra, o INSS deposita os benefícios sempre no
primeiro dia útil do mês, o que dá aos bancos segurança e
previsibilidade impossíveis em outras operações de crédito para pessoas
físicas.
A advogada denuncia ainda que muitas vezes a margem consignável de
30% da renda mensal não é respeitada – em alguns casos até 90% da renda é
abocanhada pelas prestações. “Várias cláusulas contratuais são
acordadas diretamente entre banco e mutuário. O idoso, por sua vez,
normalmente acredita na boa-fé do fornecedor do crédito. Isso acaba
acarretando consequências nem sempre positivas, que ele só vai perceber
muito tempo depois”, diz. Segundo Porto, o perfil de aposentados que
mais recorre aos consignados e está em situação de endividamento é
homem, ganha até um salário mínimo por mês e tem baixa escolaridade, “o
que torna mais difícil a compreensão dos termos do empréstimo”.
De acordo com a advogada Elisabete Porto, os idosos vêm sendo
reconhecidos, nas relações de consumo, como grupo “hipervulnerável”,
pois, além da vulnerabilidade técnica, científica e econômica – inerente
ao consumidor em geral – o idoso apresenta ainda aspectos psíquicos e
emocionais que podem torná-lo um consumidor ainda mais fragilizado em
relação ao fornecedor.
“Não se trata de considerar o idoso como 'ingênuo', mas nessa idade a
memória já não é a mesma, a visão também não, tornando difícil a
leitura em fontes muito pequenas, e a pessoa pode se tornar
emocionalmente mais carente”.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), o Brasil já segue os passos dos países desenvolvidos, ao menos
no que diz respeito ao envelhecimento da população: a previsão é que até
2030 o país tenha mais pessoas acima de 60 anos do que crianças de até
14. 25 anos mais tarde, os idosos deverão ter mais participação na
população total do que todos os jovens de até 29 anos. Hoje, há um idoso
para cada duas pessoas com menos de 15 anos de idade.
Atualmente, 12,6% dos brasileiros são idosos – uma estimativa de 25
milhões de pessoas – e a principal fonte de renda de 66,2% deles é a
aposentadoria. O número aumenta para 74,7% quando considerados os que
têm mais de 65 anos. Conforme o IBGE, 63,7% são apontados como “pessoas
de referência” nos domicílios e 32% têm menos de um ano de estudo.
A Paraíba Previdência (PBPrev) conta com cerca de 44 mil aposentados e
pensionistas, mas não informou quantos têm consignação em folha de
pagamento. Já o Instituto de Previdência de João Pessoa (IPM) declarou
que atende a 3.990 beneficiários; a assessoria de imprensa não divulgou
quantos têm empréstimos consignados, alegando que a folha estava sendo
fechada.
O que é crédito consignado?
É uma modalidade de empréstimos pessoais onde as parcelas são
descontadas diretamente na folha de pagamento. Tanto servidores públicos
quanto aposentados e funcionários da iniciativa privada podem
contratar, mas normalmente as taxas são menores para servidores e
aposentados, por conta do menor risco e estabilidade salarial. O prazo
máximo para essas operações é de 72 meses. Os juros variam de acordo com
os bancos ou financeiras e com o prazo desejado. No site da Previdência
Social há uma planilha atualizada mensalmente com os planos e taxas
disponíveis – atualmente os juros vão de 0,74% a 2,14% ao ano – que
pode ser conferida no endereço eletrônico
www.previdencia.gov.br/informaes-2/emprstimo-consignado/.
“Fiz uma vez só e me arrependi”, conta a aposentada Judite Guedes,
65. Conservadora nos investimentos, ela dá aulas de reforço escolar que
rendem um faturamento mensal superior ao próprio benefício. Mesmo assim,
emprestou o nome para o filho fazer um empréstimo. O resultado foram
dois anos presa à dívida, que era descontada diretamente no valor do
benefício.
“Na hora que o dinheiro chega, eu gosto de ter ele lá. Não quero
ficar devendo. Tenho uma amiga que quando falta seis meses para terminar
um empréstimo, ela já entra em outro para pagar o anterior e ter mais
dinheiro. Isso é uma doença”, fala. A família não voltou a pedir
empréstimos em seu nome, mas ela ressalta que os telefonemas de
instituições financeiras oferecendo novas linhas de crédito para
desconto na folha são frequentes. “Quase todo dia ligam. Hoje mesmo já
ligaram”.
O assédio ao idoso é uma das práticas que mais contribuem para a
manutenção do endividamento dos aposentados. Porto revela que não é raro
funcionários conhecidos como “pastinhas” abordarem os idosos e pedirem
insistentemente para que eles façam empréstimos. “O assédio é tão forte
que muitas vezes os idosos acabam cedendo, mesmo sem ter a necessidade
de um empréstimo”.
Em casos mais graves, os próprios familiares exercem coerção
psicológica ou até mesmo física para que os aposentados cedam cartões de
crédito ou assumam um empréstimo. De acordo com a Secretaria de
Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, em 2013 o serviço de
denúncias Disque 100 recebeu 38.976 delações, 65,7% a mais do que em
2012. Somente as queixas contra abusos financeiros somaram 16.796, ou
43% dos casos. O fato também é decorrente da dependência que muitos
idosos têm de que filhos ou netos administrem suas finanças, tornando-os
ainda mais vulneráveis.
“Isso é muito comum no Brasil”, sugere a economista-chefe do SPC
Brasil, Marcela Kawauti. “Muita gente acaba se endividando por causa dos
outros, às vezes até por vontade de agradar. Mas isso é perigoso,
porque não há como controlar o que outra pessoa vai gastar”, explica.
Para ela, a família deve contribuir justamente para atenuar uma situação
de endividamento ou prevenir. “Esse apoio é importante. Às vezes uma
pessoa economicamente ativa ganha mais”, ressalta.
Para Porto, os bancos deveriam fazer um estudo mais detalhado da
capacidade financeira do tomador ao invés de conceder o crédito sem
exigências, bem como esclarecer satisfatoriamente o conteúdo do
contrato. “O poder público também poderia passar a oferecer cursos e
programas de educação financeira voltados exclusivamente para os idosos.
O consumo nos últimos anos foi fortemente estimulado, mas não houve a
contrapartida da educação para o consumo”, frisa.
"Apresentar soluções que promovam a efetiva tutela, coibindo os
abusos praticados em prejuízo desse grupo social, deve, ainda, ser
objeto de interesse dos diversos ramos do saber humano, pois, além do
merecido respeito em razão de sua existência, o idoso representa uma
população em franca expansão no Brasil", conclui.
Eber Freitas
Fonte: http://www.jornaldaparaiba.com.br/noticia/133688_volume-de-consignado-passa-de-rs-3-3-bilhoes